Artigo: Os adultos vão ao cinema

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Por: Carlos Galuban Neto*

Escrevo esta coluna horas após assistir a Oppenheimer, o tão aguardado filme do célebre diretor Christopher Nolan sobre o cientista de mesmo nome, que passou para a História conhecido como “o pai da bomba atômica”.

Como é comum a todas as grandes obras cinematográficas, o filme entretém – as 03 (três) horas passam voando (embora minha bexiga discorde) – na mesma medida em que, mais do que fornecer respostas definitivas, suscita questões das mais polêmicas e diversas.

Sendo impossível tratar de todas elas em tão exíguo espaço, me atenho ao questionamento: qual a extensão da responsabilidade de um cientista pelas suas criações?

Para muitos, a resposta é trivial: o cientista deve se preocupar única e exclusivamente com o atingimento do progresso tecnológico, independentemente das finalidades com que seus inventos vierem a ser utilizados. Para os adeptos de tal visão, pouco importa se uma nova tecnologia será empregada em fins malignos, desde que represente um avanço em relação àquelas preexistentes.

De acordo com Nolan, contudo, a explicação não é tão simplista. Ao cientista, impõe-se a obrigação de pesar as implicações éticas e morais antes da produção de cada nova tecnologia, sob pena de se tornar moralmente responsável pelo desvirtuamento de sua obra, ainda que praticado por terceiros.

Obviamente, Oppenheimer, tendo criado aquilo que criou, é um excelente exemplo da necessidade de um cientista avaliar com cuidado os impactos de uma invenção. O filme, contudo, ao contrário do que seria esperado em tempos de cancelamentos anacrônicos de figuras do passado, não escolhe o caminho fácil de crucificar o pai da bomba atômica, apenas para utilizá-lo como exemplo da posição que busca defender.

Ao contrário, Nolan oferece diversas nuances que, a depender do gosto do freguês, podem ou não atenuar a culpa do cientista: os nazistas já estavam relativamente avançados no desenvolvimento da bomba atômica; não fosse pelas mãos e pela mente de Oppenheimer, a bomba seria produzida de qualquer forma; no fim das contas, as bombas dirigidas a Hiroshima e Nagasaki teriam levado à rendição japonesa na 2ª Guerra Mundial, evitando milhões de mortes no conflito; e, por fim, o principal ônus moral não deverá recair sobre os cientistas que viabilizaram o artefato nuclear, mas sobre os governantes que, em última instância, apertam o botão de detonação.

Confesso que, até agora, não cheguei a um veredicto sobre as responsabilidades de Oppenheimer – e talvez a ideia do filme seja justamente essa, a de evitar julgamentos e condenações definitivos. Mais ainda, talvez a intenção seja a de entregar ao público obra em constante construção, que permita ao espectador, a cada vez que assistir ao filme, notar novos elementos e, se desejar, alterar suas conclusões.

Aqui, mais um ponto para Nolan: tratar os espectadores como adultos, autorizando-os a pensarem por si próprios, sem obrigá-los a atingir conclusões apenas porque estão de acordo com as virtudes que os tribunais das redes sociais e a cultura do cancelamento entendem como corretas.

*Carlos Galuban Neto é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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